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terça-feira, 31 de março de 2009

memória


memória

as manhãs tinham um hálito agradável, um odor a verde e a feno, terra húmida mas serena, impávidos insectos num repouso de folhas e caules e teimosas raízes que subiam árvores e muros e paredes onde viçosos musgos escondiam experiências, instintos e vidas trazidas por ventos brancos e alimentadas por chuvas sem branco. terra revolta, à margem dos canteiros floridos, feridas com sulcos de carruagens, rodas e flores, ouro de sol, prata de fios-d'-água, beijos de saudades, beijos-em-flor, pedras nuas expostas à luz, dispostas a tudo.
do mar se via a terra.
subíamos a ladeira descalça do monte, crepitando inocentes passadas rumo a um previsto e desejado desconhecido. haviam esperanças nas meninas e nos olhos, esbugalhados calhaus, saltitões quietos, palavras sem nome, gritos de silêncio em canto alto; desunidos ramos secos, pasmo espasmo de mãos agarradas à terra.

da terra se via o mar.
ondas, espuma, areia nos cabelos, seiva negra de tão pura sujidade. navios -quem os inventou?- traziam maresias com memórias de nevoeiros descobertos, gelos derretidos em fogo, quentes frios arrepios; infinita saliva.
arremessados paus, galhos de velas desfeitas galgavam margens de asfalto, botes de raiva afundavam águas onde nenhuma caravela nadara, nenhum incauto marinheiro guerreara; paraíso do peixe, sombra do risco, subterfúgio da alma. gaivotas a picar a pele do sonho, vistes?
sim, também nasciam ondas de cravos vermelhos de insuspeitas fontes, promessas de ventos em mudança, um riso sorriso nas palmas das mãos, armas floridas carregando costas nuas, bandeiras desfraldando a liberdade do vento; um rio de gente a caminho.

e o rio unia terra e mar.

***

vieram carros do combate, sem combater o futuro, arrasado o passado, vieram tantos e tantas, anónimas vozes e gritavam, expeliam o silêncio dos corajosos, repeliam a força à força de palavras como estas: que nojo vos turvara a mente?
que carinho nos transformou em gente?

ai!, quem souber desenhar almas que conte! que digam a verdade mentindo, mintam dizendo, enganem a memória, enterrem a história; o mundo vive para além disso. embrulhem as alegres lágrimas em sacos dos vossos lixos; rompidos, incessantemente rompidos, desaguarão os limites da imagem: recordação, tu nunca mentes!
que recordação vos magoou, ó gentes?
voltaram todos do monte, acorreram das serras e dos vales dos vossos sonhos, vieram voando em núvens de desejo, trouxeram a morte e o beijo, carregaram o espinho e a rosa, acordaram o trovão e a corda, redes, pescadores, rezes, fomes a cheirar ao pão; amassaram os caminhos, corpos pequeninos e passarinhos, abutres também: se a presa é oferecida que mais vos falta para a festa?

e depois do adeus, da solene despedida do morto anunciado, partíamos, ai!, suprema alegria voar o barro, dissipar o catarro, esticar o torpor, matar, sim, matar o ditador!

que morte vos mudou, gente?
sem medos, povos das selvas montes serras rios mares, para além do crime, dizei-me:
que falso carinho vos devolveu a crença?

***

nómadas do esquecimento.
sobre as águas do inferno lavais as lembranças e escolheis o fogo do paraíso para festejar o esquecimento com que suportais a vida: até quando? homéricos poemas à laia de discurso, palavreado belo do engano, mística de cómodo olhar, esbracejar da lassidão; como é breve o tempo que há-de vir, como inutilizastes a memória!
sedentários do nada!
acordávamos felizes. então, sempre que o mar nos trazia um naufrágio de esperanças, acorriamos às areias em busca do remoinho; agora, destruída a caixa de Pandora, afundais-vos em terra solta e das ondas fizestes sepulcros. e com cruzes desenhais madeira.
carpinteiros do artifício!

esquecestes as horas da boa-espera, as madrugadas a fio, as auroras da navalha. esquecestes igualmente as praias e as rochas e as maresias; seguis caranguejos a caminho da solidão. Narcisos sem rumo, espelhos falsificados, anúncios da desgraça.
construtores da armadilha!
longe, muito longe do que é aqui, resistem prados e versos: nem as rimas vos salvarão!
que fizestes das palavras?


***

arautos dizem esquecei! lembrai-vos sempre disso!
recuperai memória, criai história, fazei acontecer! tornai ao âmago das coisas, alimentai-vos do sopro, reconstrua-se a carne: não vos falo do verbo e muito menos do adjectivo, Vaidade! Falo-vos da oração completa: voltai a desenhar as letras...


LN, 30 Março 2009

segunda-feira, 30 de março de 2009

PARAÍSO

aflito
quase a a
f
o
g
a
r - m
e...

pedi boleia a uma solitária

ILHA

es...ten...deu..-..me

uma lingua de areia...

salvou-me
e ficamos os dois
bem abraçadinhos
na nossa praia.

eduardo roseira
30/Março/2009
VNGaia

Tertúlia POESIS

O Grupo Cultural Poesis, em parceria com a Casa da Cultura de Paranhos, no Porto, vão levar a efeito a partir do próximo mês de Maio, às suas "Tertúlias Poesis", nos segundos Sábados de cada mês, às 21 horas e 30 minutos.
Com esta parceria, estão de regresso e para ficar, agora num novo espaço, as tertúlias a que a Poesis nos habituou, sempre em forma de conversa despretensiosa e sem tabús, a par de intervenções poéticas e polémicas, onde o aceitar das diferenças é ponto de honra.
A primeira Tertúlia Poesis, vai ter lugar no dia 9 de Maio, na Casa da Cultura de Paranhos, no Porto, no Largo do campo Lindo, 9.
Registe-se que esta é uma das muitas iniciativas que o Grupo Cultural Poesis, vai levar a efeito, para comemorar os seus 20 anos de existência.

A propósito dos 200 anos das Invasões Francesas

A HISTÓRIA DO “MOLETE”
Duzentos anos de vida.



Apresentado por inteiro ou aos “nacos”, todos nós o comemos e faz parte dos nossos hábitos alimentares diários, com mais ou menos sal, é o pão.
Há uma variedade imensa de tipos, uma das quais é o “papo-seco”, o qual cá por terras do Porto, é mais conhecido como “molete”.
Quem já não disse e ouviu dizer:
- “Ó Mãiee, dá-m’um molete” Tou co’fome!” – e como resposta – “Ó rapaz, bai à padaria e pede pra t’abiarem meia dúzia de moletes!”
Apesar de ser um vulgar tipo de pão, o molete pode orgulhar-se de ser o mais conhecido, embora a maior parte das pessoas que o comem, não saiba a sua história e o porquê de assim se chamar.
Como é do conhecimento geral, o Concelho de Valongo, no Porto, foi e é uma zona muito importante de panificação e moagem, como são exemplo disso os moinhos de água do Rio Ferreira, ainda existentes, e alguns recuperados. Para além disso, temos o “Pão de Valongo”, vulgarmente conhecido como Regueifa.
Aquando das Invasões Francesas, em 1809, as tropas invasoras estiveram estacionadas em Valongo, tendo nessa altura havido falta de cereais, pelo que houve necessidade de se fazer racionamento do pão.
A forma adoptada foi a de diminuir ao peso, reduzindo o tamanho do pão para metade.
Essa medida foi tomada pelo General francês que comandava as tropas invasoras, que dava pelo nome de Moulet.
Daí o povo ter baptizado aquele pão com o nome de “molete”, aproveitando o nome do General que “decretou” a diminuição ao peso e ao tamanho do pão, para dessa forma poder alimentar os seus soldados.
E é esta a história dum tipo de pão que é conhecido por papo seco, mas que cá pelo Porto, embora já a cair em desuso, lhe chamam “molete”.

eduardo roseira

quarta-feira, 25 de março de 2009

uma velha casa...

A Filomena Fonseca
autora do livro de poesia
"Os Degraus da Casa"

uma velha casa
um degrau que rangia
as suas memórias.

era a poesia
a passar!

eduardo roseira
JF Bonfim-Porto
21-Março-2009

quarta-feira, 18 de março de 2009

VESTÍGIOS DA MADRUGADA

nasce um novo dia.
o velho sol mostra
de novo os raios.
aos poucos a sua luz
vai revelando
o que da noite resta.

numa outrora parede alva
nasceu um multicolor
e disforme grafite
que reclama
ingenuamente,
paz amor.

de cá para lá,
uma puta de mini-saia,
passeia a celulite.
o tempo ronda as seis
e ainda continua no engate,
a ver se esfola mais um pastor.

nos passeios
junto a montras ricas,
vêem-se vómitos/álcool
espalhados pelo chão.
aqui e mais além,
pequenos montículos
de merda de cão,
garrafas partidas,
latas calcadas,
pedaços de papel e cartão,
seringas,
restos de pratas e limão.

um sem abrigo
engana o sono num canto.
um ébrio de gatas,
em hálito/fel
lança um enorme
arroto de desencanto.

mais além,
cabisbaixo,
um tipo com cara
de foda mal dada,
regressa a casa
ao encontro da sua
querida mulher,
como se não fosse nada...
aos poucos,
a cidade nasce
para mais um dia
de vida apressada.
das estações.
das paragens.
das posturas.
surgem pessoas...
pessoas...
muitas pessoas!...
que passam sem dar conta
dos vestígios da madrugada.



eduardo roseira
VNGaia
11/Agosto/2001

quinta-feira, 12 de março de 2009

TRINTA ANOS É TÃO POUCO TEMPO!

Fotos: eduardo roseira





“Os olhos parados, estáticos, do poeta
contemplam extasiados a arte de ver tanta coisa em tão pouco espaço!”


Fernando Peixoto


Foi com esta ideia/frase que nasceu um poema de Fernando Peixoto, tinha ele 21 anos, estava em terras de Angola, a cumprir o “Serviço Militar Obrigatório”, e a “colaborar, também obrigatoriamente” numa Guerra Colonial, contra a qual era e se batia.
Quando, um dia, de passagem pela cidade de Luanda, a refrescar-se com uma cerveja “Cuca”, bem geladinha, na esplanada da “Paris-Versalhes”, numa mesa próximo da sua, se sentou uma pessoa que ele sempre admirou, quer pela postura como, muito especialmente, pela arte. Era nem mais, nem menos o Actor Rui de Carvalho, em digressão por terras portuguesa da então, África Ultramarina.
Tal como inicia o seu poema, o jovem Fernando, ficou com “Os olhos parados,…” e com certeza com todos os seus movimentos “…estáticos,…”. A sua primeira reacção foi a de se abeirar do Grande Actor Rui de Carvalho e “meter” conversa dizendo-lhe de toda a sua admiração e se possível falar da Arte que os unia, mas não o fez, não fosse o Rui de Carvalho, pensar que era mais um a pedir um autógrafo….Não, o Peixoto, queria muito mais do que isso e na incerteza da reacção do “Senhor Teatro”, quedou-se por continuar sentado no seu lugar e dizer ao papel tudo o que sentia nesse momento ao estar tão próximo do “monstro” do palco, e transmitiu o que os seus “…olhos…” embora “…parados…”, lhe “…deram força às mãos que escreveram poemas.” como este:

AO ACTOR RUI DE CARVALHO


Os olhos parados, estáticos, do poeta
contemplam extasiados a arte de ver tanta coisa em tão pouco espaço!

Às vezes não vê a consciência do drama
e transforma em comédia as lágrimas alheias
num sorriso amargo de secar a boca
porque as lágrimas às vezes também cansam
se a chorar correm os dias na cabeça do poeta.

Ah! Isto de querer ver para além da noite sem estrelas
traz-nos aos dentes uma raiva surda
de trincar o ar, de prender o vento,…

Os olhos parados, estáticos, do poeta,
contemplam extasiados a arte de ver tanta coisa em tão pouco espaço
e sente na alma o dever latente de sorrir ao menos
para quem nas tábuas ocupa o espaço duma Terra inteira
e sente nos braços o desejo intenso de abraçar o homem
que entrega ao poeta a imagem fiel do ignoto mundo.

E os olhos parados, estáticos, do poeta,
deram força às mãos que escreveram poemas.


Fernando Peixoto
22 de Junho de 1969
Angola, Luanda,
Esplanada da “Paris-Versalhes”


Mas o destino, cruza as vidas de uma forma tal, que passados trinta anos, em Outubro de 1999, considerado como o Ano Internacional do Idoso, juntou lado a lado, duas figuras públicas: - O Alto Comissário Nacional para a Terceira Idade e o então Presidente da Junta de Santa Marinha, freguesia de Vila Nova de Gaia. O primeiro era o Actor Rui de Carvalho e o Autarca era o Fernando Peixoto, que ao recebê-lo no Salão Nobre da Junta, num dos primeiros dias de Outubro, contou esta história, (como só ele o sabia fazer), leu e fez a oferta do poema.
Afinal, trinta anos é tão pouco tempo!

eduardo roseira








sexta-feira, 6 de março de 2009

Recado

.......
......
... e se um qualquer dia
entenderem que é entulho,
toda a minha poesia.
dela façam papel de embrulho.

eduardo roseira
VNGaia
14/Dez/1996

INTIMIDADES

é nesta letra indecisa
que cruzo lentamente,
nó a nó,
oceanos de imaginário.

faço do papel o meu mar.
da caneta o meu navio.
ao leme – eu!
o meu destino
é ida sem volta.

através dos meus olhos/vigias,
o meu viver traça rumos
guiados pelo meu coração/bússola.

minhas poucas virtudes
são mar chão.
meus defeitos muitos,
mar encapelado.
vão construindo
as marés do meu existir.

a minha mente
é um oceanário de ideias,
que controla
os meus modos/ondas
e minhas tempestades/manias.

… e assim vou navegando
os mares das minhas
intimidades.


eduardo roseira
VNGaia
5/Maio/1998