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sábado, 25 de abril de 2009

25 DE ABRIL SEMPRE, FASCISMO NUNCA MAIS

O autor do texto em actuação
(imagem de Júlia Meireles)

Olha Portugal, estas palavras de ordem vão ouvir-se de novo dentro de algumas horas, um pouco por todo o teu território. A voz do Zeca – sempre presente –, irá recordar-te que “Grândola Vila Morena”, mais do que uma canção foi o sonho feito realidade, onde na “Terra da fraternidade o Povo é quem mais ordena, dentro de ti, ó cidade”. Mas isto foi há 35 anos, já foi há 35 anos… Ainda não tinha passado muito tempo – cerca de dois anos, apenas –, e já um amigo do outro lado do mar – o Chico Buarque, lembras-te? – te escrevia, dizendo: “ Foi bonita a festa, pá, fiquei contente, ainda guardo renitente um velho cravo para mim”. E avisou-te, “ Já murcharam tua festa, pá, mas certamente, esqueceram uma semente nalgum canto de jardim.” Eu acredito que sim, eu quero acreditar que sim, que nalgum cantinho teu, resistente a tanta agressão do betão armado, a tanto fogo posto e outras irracionalidades criminosas, surgirá uma flor nova para te dignificar… Mas porquê tanto tempo para germinar? 35 anos não chegam? Terás de esperar que passem 48 outra vez, para levantares a cabeça e gritares “ Aqui estou de novo e orgulho-me de quem sou?”

Eu sei que não é fácil entenderes esta espécie de esquizofrenia que te atormenta os dias. Ora alegre, ora triste. Seduziram-te com cantos de sereia e, tu que não resistes a uma bela melodia deixaste-te embarcar no conto do vigário. Até te convenceram que o 25 de Novembro era para defender as liberdades do 25 de Abril, como se a luz da primavera precisa-se do nevoeiro do Outono para ser mais clara. Como é possível tanta distracção? Depois, disseram-te que ias ser europeu e tu acreditaste… Mas que porra tinhas sido tu até então?

Sabes Portugal, eu sei que não é fácil lidar com tanta confusão… Uma parte de ti a celebrar Abril pensando em Novembro, oficial, formal, hipocritamente com cravos na lapela a assistir a desfiles militares, com os seus discursos para surdos, as suas condecorações, as suas riquezas e corrupções, as suas amantes finas e suas televisões, as suas mordomias, manias e tias, e primos, e tios, e secretários, e directores, e banqueiros, e gestores, e ministros, e, e, e…

A outra parte, a das pessoas reais, a gente que vive e sofre, a que aspira depois de 35 anos que se cumpra Abril, a que recorda os três “Ds” do movimento que naquela madrugada saiu à rua trocando as balas pelos cravos oferecidos pelas mulheres de Lisboa, o Capitão Salgueiro Maia e tantos outros que disseram “Nós não queremos o Poder, mas com o Povo exigimos descolonizar, democratizar, desenvolver”. Descolonizou-se e, não se nega que desenvolvimento, tem havido. E a democracia onde anda? Que me dizes Portugal? Consideras-te democrático com os teus 2 milhões de pobres? Consideras-te democrático com a grande maioria da tua população a mal - viver com salários de Miséria? Consideras-te democrático com as centenas de milhares de crianças que não comem quando as escolas estão fechadas? Consideras-te democrático com centenas de milhar de idosos no ocaso da vida sem saberem se amanhã têm pão para meter na boca? Consideras-te democrático desinvestindo na saúde e na educação para enterrares o dinheiro em estádios de futebol? Consideras-te democrático com as tuas prisões cheias de Pobres enquanto os banqueiros corruptos, os políticos corruptos, os gestores corruptos, os empresários ricos corruptos e tantos outros criminosos de colarinho branco se passeiam impávidos e serenos pelas artérias das tuas cidades? Consideras-te democrático sabendo-te o país da Europa com mais desigualdades?
Não Portugal, a democracia de Abril não tem nada a ver com isto. Só assim se entende que dentro de umas horas o teu mais alto representante oficial – o Presidente da República - , vá condecorar e promover a Major General um dos militares reconhecidamente inimigos da Revolução – o Coronel Jaime Neves, mesmo contra o parecer do Movimento 25 de Abril, que considera que “Ao comemorarem o 35º aniversário do 25 de Abril com um acto desta natureza, os detentores do poder, sejam os membros dos órgãos de soberania, sejam os chefes militares, não se mostraram dignos dos cargos que ocupam.”

Mas Portugal, tu sabes também que dentro de umas horas os teatros estarão cheios, as avenidas, as ruas e as praças estarão cheias, as associações cívicas e culturais estarão cheias de Povo, para recordar, para recuperar e para celebrar Abril em festa, mas também em luta, com o que tens de melhor: os teus poetas, os teus músicos, os teus artistas e toda esta gente que te trata por tu, porque te quer.

25 de Abril, sempre.

Fernando Fernandes


(Nota: Esta carta foi enviada pelo meu bom amigo e companheiro de imensas cumplicidades, ao fim da tarde de 24 de Abril, não resisti a dizer-lhe: eu assino por baixo! - eduardo roseira)

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