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quarta-feira, 1 de abril de 2009

O DOMADOR DE PALAVRAS



MÁRIO VIEGAS, ACTOR DE GÉNIO E CORAGEM



Hoje quero falar-vos de uma pessoa que a brincar, a brincar, levou a vida a sério, daí que lhe dedique este poema de Brecht, antes de falar nele:

Há homens que lutam um dia e são bons
Há outros que lutam um ano e são melhores
Há outros que lutam muitos anos e são muito bons
Mas há os que lutam toda a vida.
Esses são imprescindíveis.

Há 13 anos, dia um de Abril, fazia madrugada e um tipo que tinha nascido em Santarém, em 1948, resolveu pregar-nos uma partida própria do Primeiro de Abril.

Para alguns, ele era um tipo assim a atirar para o “esquisito”, pois sempre foi muito ligado a fazer CENAS; PEÇAS e outras coisas que tais, às vezes, bem, às vezes até fazia FITAS.

Porque não era gajo para andar só, não esteve com meias medidas e “arranjou” uma..., duas..., três COMPANHIAS.

Concerteza que não foi pelas suas CENAS, FITAS; PEÇAS ou mesmo até pelas COMPANHIAS; que estes anos após a sua morte, poucos, muito poucos, são os que dele se lembram, ou será que se sentiram magoados com um gaijo que resolveu morrer no dia das mentiras, se calhar é verdade. Foi por isso?!...

Era um de Abril, passaram 13 anos que muito ao seu jeito de “bom/mau da fita”, o actor Mário Viegas, resolveu pregar-nos uma partida de Abril e rumou com destino a outras paragens, sem se despedir cá da malta.

Mário Viegas, actor, declamador, Homem de coragem, fundou três COMPANHIAS de Teatro; no palco interpretou, entre outros, Beckett, Tchekov, Beckett, Pirandello, Beckett, sempre Beckett, se a memória não me atraiçoa, pelo menos sete vezes o seu adorável Beckett. No cinema fez a sua estreia com “O Funeral do Patrão”, de Eduardo geada; filmou com Manoel de oliveira, mas o seu grande sucesso foi mesmo com o filme de Fonseca e Costa, “Kilas , o Mau da Fita”.

Fez também muita rádio e televisão. E porque não existem actualmente, deixo aqui a alusão aos seus programas de poesia, poesia que amou, disse e divulgou, tanto a de estrangeiros, como principalmente a de poetas nacionais e para além de a divulgar, ensinou-a.

Mário Viegas disse um dia: “Dos poemas, dos escritores, ficam os livros editados, as palavras escritas; dos actores fica a memória, mas essa morre com as pessoas!”

Para terminar, as próximas palavras são dirigidas a ele:

- Mário, agora que andas a fazer CENAS noutro lado, espero que me ouças bem:

- Olha, deixa-te de merdas! Fica sabendo que ainda restam por cá muitos gajos com memória, que não se esquecem de ti e dizem mesmo, que quando fizerem parte do teu novo “círculo eleitoral”, vão votar em ti, assim tu te candidates! Um abraço e até um dia destes!...

- Ah! Já me esquecia, não gastes o “GIN TÓNICO” todo, guarda algum para nós.


Imaginemos agora a ironia da voz e dos gestos, se este poema de Brecht fosse dito pelo Mário Viegas.

FÁBULA

O lobo foi ter
Com a galinha
E disse-lhe:

“Devíamos conhecer-nos
melhor para vivermos
com amor e confiança.”

A galinha achou bem
e foi com o lobo.
Foi por isso que as suas
penas ficaram espalhadas
por todo o lado.

Foi na madrugada do dia das mentiras: - o actor Mário Viegas morria na unidade de infecto-contagiosos do Hospital de Santa Maria, em Lisboa.
António Mário Lopes Pereira Viegas era natural de Santarém, onde nasceu em 10 de Novembro de 1948.

No teatro, no cinema, na televisão e na rádio, Mário Viegas era considerado um dos melhores – terá sido mesmo o melhor – actores portugueses da sua geração. A prová-lo estão os projectos multi-disciplinares em que se envolveu.

No teatro fundou três companhias, interpretando alguns dos mais importantes papéis teatrais (Baal, Hamm, Krapp, Vladimir, Wang; encenou peças de Eduardo de Filippo, Bergman, Tchekov, Strindberg, Pirandello, Peter Shaffer e Beckett – sempre e inevitavelmente Beckett!
Viegas adorava – e revia-se – tanto, no estilo dramático do autor de “À espera de Godot” que chegou a encenar oito peças deste Prémio Nobel.

No cinema, fez uma dezena de meia de filmes. Estreando-se com “O funeral do patrão”, de Eduardo Geada, mas os seus maiores sucessos foram “Kilas, o mau da fita”, de Fonseca e costa, “A divina comédia”, de manoel de Oliveira e “Afirma Pereira”, de Roberto Faenza, onde contracenou com Marcelo Mastroiani, também já desaparecido.

Na televisão e na rádio, deixou uma marca importante, especialmente através dos seus programas dedicados à poesia.

Amante da poesia, Mário Viegas gravou cerca de 200 poemas em 14 discos, onde o podemos ouvir dizer Luís de Camões, Cesário Verde, Camilo Pessanha, Almada Negreiros, Fernando Pessoa, Jorge de Sena, Alexandre O’Neill, Pablo Neruda e muitos outros.
Tendo assumido a responsabilidade de divulgar poetas e humoristas (tais como Mário-Henrique Leiria, Luíz Pacheco e Pedro Oom), Viegas viajou, dando espectáculos em Moçambique, Macau, Brasil, Espanha, Bélgica e Holanda.

Um episódio caricato marca o ano da Revolução (1974): - Filipe La Féria e Mário Viegas decidem levar à cena a peça “Eva Péron”, de Copi, no teatro da Feira da Ladra. Durante os ensaios, Viegas é chamado à Embaixada da Argentina, onde lhe disseram que este país ameaçava cancelar as exportações de vaca e de milho, caso a representação se concretizasse. “Por motivos de interesse nacional”, a estreia de “Eva” foi cancelada e a companhia dissolveu-se.

A sua obra foi alicerçada no seu imenso amor pela cultura, o que lhe granjeou diversos prémios de prestígio e popularidade da imprensa. Em 1993, a Câmara Municipal de Santarém atribuiu-lhe a Medalha de Mérito da Cidade; em 1994 o então Presidente da República, Mário Soares, ordenou-o Comendador da Ordem do Infante D. Henrique, enquanto a Câmara Municipal de Lisboa, deu o seu nome, ainda em vida, à sala-estúdio do Teatro S. Luíz.

Apesar de tudo, passados treze anos sobre a morte de um “actor de absoluto génio”, poucos tem sido os que fazem por recordá-lo. Até porque, como disse um dia Viegas: “Dos poemas, dos escritores, ficam os livros editados, as palavras escritas; dos actores fica a memória, mas essa morre com as pessoas!”

Mário Viegas, mais do que actor e declamador, foi um verdadeiro “Domador de Palavras”!


eduardo roseira

1 comentário:

luis nogueira disse...

Manhã cedo, aos fins de semana (sábado, domigo, já não me lembro), passava na rádio um programa de poesia e a sua voz (en)cantava. Nunca me esquecerei da Mensagem e do Guardador de Rebanhos, de Vinícius e tantos outros. Pessoa, aprendi com ele. Nos Ointentas, quando ainda se fazia alguma coisa de jeito na rádio...